domingo, 28 de junho de 2009

CABEÇA DE PANO

Sua, negro preto, arde!
Teu peito escuro vem inflado de amargura
Aos meus deveres já cumpri amargurado
Comprei-o, sua!, que fui liberto
Duras faturas, quitei todo o saldo
Fui negro preto, ardi amarrado!

Cultura de tambor, macacos e tribos
Batidas peludas e gritos de guerra
Ardi, negro preto, suei mais escuro
Na tribo macaca do tambor de guerra!

E quando ousaram buscar-me na tribo
Peludos macacos presos pelo rabo
Pilharam, mataram, nas portas da tribo
Tambores calaram, negro preto, eu ardi!
Ardi que foi sangue na barra da saia
A preta caiu, largou da boneca
Macaca, que preta, da tribo de guerra!
Catei o brinquedo da poça vermelha
Mosca carniceira pousava à costura
Firme apertei a cabeça mais meiga
Lambeu-me o chicote da pura mais pura
Cobiça branquela perdura mais dura:

"Tu vem, macaco, plantar nossa terra!
Deixa essa tribo e teu grito de guerra
Sou guia do mar, europeu valente
Na marca do passo pisado ao parente
Matei os doentes, prendi os feridos
As feras macacas, fiéis aguerridos
Ao mar! que sou guia, à terra madura
Levemos os pretos à semeadura!"

Ainda seguro o brinquedo de mancha
Salinas as águas, deslizo ao inferno
De pretos macacos, fileiras medonhas
Valentes guerreiros falidos das tribos!
Inimigos! Findaram-se as guerras...
Lenha arqueada, mofo e abusos
Dez guias cheirosos, um naco de vida
Correntes pra cem e velha ofendida:

"Oh, meu Pai preto, macaco divino
Cuidei das crianças, banhei os meninos
Bati meus tambores, deitei meu marido
Tratei de curar dos mais esquecidos
Leitosa tu manda esta corja ao meu povo?
Do gozo nos tira, remete ao seu nojo?
Lança tua ira, Guerreiro dos céus!
Ao povo macaco do tambor de guerra
Na era abatida de vir só servir
(Sempre descalços, famintos de terra)
À rosada face, enevoa o porvir!
Ri! De nosso destino, de nossas escaras
Por Pai ser macaco, traiu a seara:
Pedira que fosse a colheita mais clara
Secou nossos frutos, cuspiu-nos a cara!"

No solo não pátrio, vendeu-me a carne
Dissipa-nos, branco, avalie meus dentes
Sou forte, me leva à senzala escura
Começavam tempos de semeadura!

Na brecha escondida guardei a boneca
Cabeça de pano manchada e aberta
Vislumbre que tive da vivida festa
Gritos alegres, vivência modesta
Tambores vibrantes, mas que bela festa!
Funesta! A alva senhora que leu meu pensar
Chamou o senhor de corda a empunhar
"Lambe este negro!", mandou a gritar
Enxada caída a me denunciar
Longe da seara observa que está
"Castiga este negro, põe pra trabalhar!"

"Que há?", reclama o escuro bom velho à senzala
"Se pensam que o tambor calou mais pra lá
Errados tiranos, não sabem cuidar
Do povo que serve da terra de lá.
Levantem! Guerreiros dormentes da tribo de guerra
Ao mar que sou guia, um velho valente
Valioso o saber vem de nossos parentes
Guiarei nossa tribo ao tambor, à terrra!"

Catei a boneca da loca escondida
No dia dos pretos seguirem seu guia
Esqueça a fadiga das mãos calejadas
Luta, negro! Feras armadas!
De foice, de pedra, de braço, de corda
Massacra a leitosa c'oa valiosa horda
Macacos de força que clamam por terra!

Guerra! pelo negro Tyehimba:

"Das portas abaixo, do sangue mais fino
Beberam e pisaram na casa maior
Nao pode escapar nem mesmo o menino
Fulmina o moleque, transforma-o em pó!

Vareta, senhora? Te agrada da preta?
Se sim, vai servida, se não, te ajeita
Pois vara meu ódio, sizuda a vareta
Rasgado teu corpo, sangrado se deita

Vingança, negrinhos! Da tribo de guerra
Matem-os! Firam aqueles que mais os apertam
Vermelho lavado, voem destas terras!

Pilhem, maltratem, gargalhem, mias feras!
C'oa certeza empurrada que negros despertam
Vermelho lavado, voem destas terras!"

Horror da miséria humana, cruel
Desnuda a vilã sem cor, sem chapéu
Que leva o chicote, que bate tambor
Eterna sem cor, desnuda cruel
Nao te pertenço, imunda! Nem tenho chapéu...

Perguntava seguro à cabeça de pano
Que sou, Pai macaco? Se mato, se engano?
Carrasco primeiro o foi este branco
Mas meus pretos... pararam o batuque
Festivo não vale este sangue trocado
Correntes e pedras, pistolas, ataques
Saques! Tiraram-me tudo!

Só querem roubar-me a cabeça do pano
Sou qual urna oca, meu preto, taluda
Sou alma rasgada, espectro escuda
Das falas dos multicolores humanos.

Fugi proutro lado que não do quilombo
Se vão para o inferno os pretos e brancos
C'oa minha boneca tracei os meus planos
Comprei com suor, que ardi, labutando
Desato as atadas sem guerra, sem terra.
C'oa minha boneca tracei outros planos
Labuta eterna, ardido o suor
Sem guerra, meu preto, comprei minha terra
Não sou mais macaco do tambor de guerra!
Quero-os agora! Fossem brancos comprados, europeus adquiridos
Feras macacas, fiéis aguerridos
Os sejam! Mas se têm preço, compro!
Sou eu agora, negro preto, eu e meu pano...

Pois lembro da saia rodada da negra
Leve o balanço, seus dentes marfim
Histórias de um povo que vale o que conta
Sem medo, meu preto, espera seu fim
Humana livrada da crua miséria
Bela!, a negra do mar de ponta
Banhava seu filho, de pano a boneca
Magnificamente; portava-se assim
De nada me valem os outros enfim...

Compro! Se bem quero ao meu resto mundano
Pai macaco, perdoa meus outros enganos
Te compro, meu preto! Vem servir teu amo!

Espera mãe preta teu filho vivente
Sem chapéu, sem guerra, sem tambor ou terra
Macaco não mais, desatados membros
Sem pedra ou chicote, que morre a fadiga
Só levo a boneca da simbologia
A cabeça de pano que vale esta vida.

Um comentário:

Lucas disse...

CLAP!CLAP!CLAP!CLAP!CLAP!CLAP!CLAP!
Ficou muito bom mesmo, parabéns, valeu todo aquele esforço.