Tem patas felpudas, coloridas, macias. Um barulho hipnotizante de besta carente. Pares de tetas. Um amor. Não sou cachorro nem sou mal-amado. Ela apenas me chama e eu atendo. Acaricio seu pescoço sedoso, sua cabeça rosna em meu colo, sua língua sai da boca e o bafo quente de carnívoro chega à mim. Uma fêmea, uma mulher. Um amor, meu amor. Não ganhei de ninguém, era de minha esposa. Deve ter seus seis anos e meio de idade; três quando minha esposa se foi. Aliás, nunca fui de trair e nunca, nunca traí minha esposa, muito menos com esse bicho. Não. É mais que um bicho. Alguns meses depois que perdi a mulher, bateu saudade. A cachorra sempre andava pomposa pela casa, nela nunca havia reparado. Bela mulher! Um primor de fêmea! Não tenho filhos, nem jardineiro, nem empregada, descobri não ter nem mesmo pudor. Apenas tinha uma velha senhora, só. Troquei-a quando fria por este outro belo espécime. Fêmea. Inda bem possuir a primeira pois não fosse isso minha vida nunca esbarraria em meu novo e mais amado amor... Quando jovem tive lá minhas dezenas de parceiras, cheiravam juventude, cheiram humanas, cheiro comum e enjoado. Achei hoje neste outro segmento olfativo o nirvana, o melhor, me encontrei. E nela sempre exerço minha virilidade como nunca exerci quando jovem. Sempre numa hora certa, às 5 da tarde. Acho que a cadela acostumou-se às minhas pontualidades... Vê se não me deixa cadela, sou muito mais você à ela.
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Fui sempre de controlar as escapadas. Sou metódico qual certos funcionamentos de certas máquinas. Eu pude avistar aquele rabinho alegre me escapando pelo quintal várias vezes. Ela sempre retornava. Não era muito problema para mim, não via nenhum naqueles passeios contados no relógio, no balanço do pêndulo. Tão ansioso. Ela tinha que andar por aí sim; conferir a vizinhança, circular reluzindo no pescoço uma plaqueta bem talhada dizendo que era minha. "Pertence a 'TAL'". Notório é que nunca atrasava. Contava cento e cinquenta e nove idas casadas com cento e cinquenta e oito vindas do pêndulo. Com certeza, estaria ali. Um dia, maldito, um pouco mais barulhenta, ela saiu. Para minha loucura, minhas contas acresceram-se em mais dezenas de idas e vindas. Havia fugido? Não. Seria ingratidão. Enfim, chegou. Entrou mancando, rodeando fracamente a roseira, pisando flores, galhos e espinhos murchos. Logo corria para socorrê-la. Notei que estava sangrando um pouco e escutei latidos distantes. Malditos cães! Tratei-a e lacrei a portinhola branca que dava para a rua; jamais seria usada. Naquela noite ela dormiu tranquilamente e acredito que tenha sonhado aquecida pelo meu abraço: sorriu em sono.
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Passado tempos de semanas após o episódio final das escapadelas de minha menina, notei algo estranho ocorrendo no comportamento e no físico dela. Custou realizar que teria filhotes
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