quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A AMA

Toda forma se quebrava em meio ao fogo
E chegavam gritos, choro...
Coro de agonia.
Frágil pele que ardia
Sentia as labaredas, presas em lascas de madeira
E no vestido, rapidamente engolido.
Por passar o corpo nu em meio às chamas
Tocar nas lascas, procurar a cama
Acompanhar o choro da criança
Salva-lá-ia da angústia, a Ama.
A noite negra como a devotada escrava
Oferecia o gás, soprava, inflava o fogo
Rios e rios corriam de fumaça
E sem nenhum ímpeto verdadeiro, do lado de fora
Sem vontade, sem cor, sem coragem
Chorava um choro seco Sinhá...
Só assistia.
Enquanto a Preta ardendo a vasculhar
Esquecida das feridas e dos chicotes
Das mãos leitosas e enrugadas que batiam,
Apenas buscava o bebê.
Nua.
O inferno lambia suas costas, quando acha...
O frágil ser imóvel, sem mais lamentos
No chão...
Preto como a Preta, quente como as chamas...
Imóvel e inútil.
Sem sucesso, a escrava nua deixa a casa
Vai para fora, para o jardim, chorosa.
Sinhá olha a mulher de mãos vazias
Sem esperanças, queimada em demasia
Cabelos chamuscados, seios feridos
Boca sem expressão, nenhuma palavra
E num misto de ódio e tristeza
Grita: "PRETA!"
No momento casa já caia, noite tudo engolia e a fumaça pelo céu partia.
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Escoada para a verdadeira heroína foi a culpa
Entregue a ela de bandeja, pelo chicote e pelas mãos
Cravada sem argumentos... e assim pensava a heroína.

Pela manhã, fumaça ainda alta, cinzas voavam.
Todos assistiam a negra presa ao tronco.
Sinhá, livre, vingada, sentia-se fértil e equilibrada
Com um sinal de mão, ateiam fogo na Preta
Para que este terminasse o que havia começado
"E que queimasse e que doesse!", pensava a escrava.
Com rápidas visões de uma terra verde e vasta, brancos, sangue, um navio, açucar, senhores brancos e seus desejos, senhoras e seus caprichos, negros e suas correntes, uma criança que amara e por fim o Fogo, livrando o povo branco da coragem e dos cuidados excessivos da Ama.

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